Introdução
O século XX para o Teatro significa Refundação. Uma oposição à instituição teatral anterior que definiu como teatro um conceito de representação que excluiu o sentido mais amplo e profundo do teatro enquanto ato de criação artística. A refundação teatral traz para a cena social pesquisadores e diretores, atores e dramaturgos que através de suas obras abriram um caminho à cena onde a linguagem simbólica da arte encontrou espaço adequado para romper o modelo precedente e abriu um processo de ruptura sempre considerando o artista a figura principal.
A cultura teatral modifica-se radicalmente com a presença de Piscator, Meyerhold, Brecht, Jouvet, Rolland, Grotowsky, pensadores e artistas que paralelamente a Rudolf Von Laban, e colaboradores, no domínio da dança e do movimento expressivo permitiram o aparecimento da modernidade hoje representada pelo teatro de Bob Wilson, Pina Bauch, Maurice Béjart, Barba, como também atuaram à distância no espaço e no tempo para a manifestação do teatro brasileiro “refundado” a partir da experiência do Teatro de Arena de São Paulo.
Neste sentido a primeira questão abordada no nosso fazer artístico ocorre no nível de recuperar o sentido de jogo, característica fundante de nossa criação auto denominada Antropomágica. Por outro lado, e inevitavelmente, ocorre a necessidade de buscar uma interdisciplinaridade de linguagens artísticas como também construir uma informação que não se restringisse à cena teatral mas pertencesse à história, à antropologia cultural, à educação como campos prioritários de apoio. A linguagem artística da experiência passa a ser Teatro/Dança.
Assim posto realizamos um caminho próprio orientada pelos vértices principais do século XX em busca de uma síntese pessoal na criação artística,apontando para a importância da experiência histórica e transfiguração da realidade, obtida particularmente por cada artista.
As profundas mudanças ocorridas neste século, e as desorganizações criadoras de novos conceitos nas artes cênicas levam a um contínuo repensar as relações existentes entre teatro, dança, artes e sociedade, interdisciplinaridade de linguagens artísticas,(e estas com a ciência,) reflexão que transparece no eclodir da obra- chave, aquela que sintetiza ou preconiza o tempo, do artista, também transformações necessárias na pedagogia do ator-dançarino.ou seja presente no processo de fonação deste artista.No momento em que a realidade virtual no fazer artístico já não é mais um aceno longínquo mas a realização eletrônica da diluição aparente das fronteiras e da ausência do corpo vivo, reforço com este trabalho à crença na ARTE VIVA fundamento do que descreverei como TEATRO ANTROPOMÁGICO, de algum modo um discurso restaurador da magia teatral.
Apresento formas de agir, pensar e adestrar-se com o objetivo de também desconstruir mitos que rezam a “livre expressão”; improvisação do ator, algo intocável por propostas que possam vir do exterior e que pretendam desconstruir a expressão, ou melhor a LIVRE EXPRESSÃO CONDICIONADA POR ESTEREÓTIPOS.
Não admito apenas a subjetividade do ator-autor mas vendo-o como integrante de um domínio maior, onde estão incluídos outros personagens criadores do fato cênico, nos propomos a construir uma abordagem para a expressão dramática na dança, e TEATRO-MOVIMENTO-DANÇA que apontem para a expressão rítmica do ator. Teatro ou Dança?
Esta proposta relaciona dramaturgia e representação no espaço, criada pelo autor-ator-diretor-dramaturgo, um processo de laboratório e cena experimental, metodologia criada que passa ao largo dos conceitos que definem os artistas, rompe as funções tradicionais de cada um e os recompõem para uma nova parceria poética.
O projeto de pesquisa realizou-se por um longo período precedido pela minha teatrologia, e ensaios passagem clara, em alguns momentos, das linhas que viria aqui formalizar, incluindo a pesquisa sobre o sentido e estrutura do jogo dramático, cena para a infância, e textos para Teatro-Dança. Finalizando desenho um campo experimental em torno da peça de Bertolt Brecht “O Círculo de Giz Caucasiano” para construir a proposta da Palavra ao Movimento do Movimento à Palavra: O Espaço do Jogo Brasileiro na peça de Bertolt Brecht. Será através de um percurso questionando estas relações que chego ao texto O Círculo de Fogo que deve representar a dinâmica pendular entre palavra e movimento como instrumental da comunicação do ator-autor-diretor-dramaturgo. Apresento, ainda, a montagem de um método para o exercício do ator-dançarino baseado na “com-ciência” da expressão e fala dramática.
O MOVIMENTO DA PESQUISA
Minha aproximação como artista da pesquisa define alguns conceitos como ponto de partida. Em primeiro lugar esta pesquisa deve gerar fatos que pertencem ao domínio da criação, onde nem sempre a explicação está em primeiro lugar e deva ser evidenciada. Sendo artista intuo, crio e analiso sobre elementos do consciente e inconsciente materiais que determinam procedimentos, caminhos, por onde meus passos vão e podem voltar sobre si mesmos, às vezes sem nenhuma utilidade aparente. Corporificações que só a gestação do tempo recolocará no espaço exato ou lançada para trás depositada sobre pedras onde não germinarão.
O imaginário artístico ¾ este meu ¾ não seria um campo possível de pesquisa pois sua fluidez contraria a necessidade de solidez que carrega a própria palavra pesquisa: fugidio e imprevisível o imaginário do artista não necessita da relação formal de causa e efeito para construir uma trajetória inteligível, transmissível e teorizável. No entanto, a pesquisa que dialetiza, outra que no caos encontra o ponto da partida para novas organizações, está presente organicamente na obra que faz aquela impulsão entre um momento e outro. Ela é o eterno movimento. A explicação que se espera como conclusão virá no seu mistério próprio, a ser decifrada pelo outro. A obra de arte. A realidade que envolve o artista é vária e quanto a mim serve aquela que se transforma e é metáfora.Neste sentido, é possível dizer pequisa-artística,ou investigação do processo de criação artística.
Falo daquilo que é possível falar e se é assim pretendo que ao passar pelo filtro da linguagem verbal as várias passagens da pesquisa que se apresentam sintetizadas nos textos de movimentos-dramatúrgicos e pedagógicos sejam descritivas dos caminhos passo a passo. Esta pesquisa apresenta também um resultado pedagógico ¾ preparação do ator ¾ elemento, entre outros, com maior carga de utilidade e aplicação pois chegamos a métodos perceptivos e analíticos de movimento em função do fato cênico, que devem ser socializados.
Concluindo, o método de pesquisar através da própria criação foi para eu reler a realidade do corpo no espaço, construir e desconstruir o aprendido, relacionando isto e aquilo que determina o gesto, ele em si realidade metafórica.
VOCABULÁRIO
O vocabulário focaliza palavras e significados atribuídos ao longo da prática de aula e ateliês criativos. Certas palavras não se encontram em dicionários de dança ou de teatro porque foram cunhadas na prática referida.
ANTROPOMÁGICO - Um jogo mágico opõe-se ao jogo ilusionista. Este é pós- ilusionista. Capacidade humana de realizar um jogo dramático transformando elementos da realidade em outros igualmente concretos sem esconder-se atrás da ilusão. Capacidade humana de ser mais de um, mostrando esta capacidade ao criar uma outra realidade para quem presencia o ato de transformação. O homem mágico = ARTE. A palavra é autonomada e utilizada a partir da obra ALDEIA ANTROPOMÁGICA BIENAL INTERNACIONAL DE SÃO PAULO 1973 - J. LOPES.
TEATRO/DANÇA - Dança como alternativa de linguagem incluída no mesmo ato de representação teatral; a dança não é considerada aqui como disciplina com códigos específicos de estilo e escolas mas expressão do movimento. Teatro considerado como espaço de onde se vê conteúdos que são movimentos e dança e palavras que expressam acontecimentos concretos. Exemplo: a dança de Pina Bausch/Alemanha; a dança de Suzanne Link/Alemanha. No Teatrodança o teatro qualifica a dança, no sentido de dar-lhe idéias e palavras audíveis ou não O conflito que é inerente ao ato dramatúrgico, desencadeador de acontecimentos, não necessariamente estará representado na cena do Teatrodança no contexto de uma narrativa porém gera uma movimentação identificada como extra cotidiano.
COREODRAMATURGIA - Relação de tempo e espaço no ato artístico de composição de uma peça de movimentos que por um lado pode ser identificada como drama e por outro como dança. Exemplo: as danças narrativas da Índia, do Brasil, do Japão e outras manifestações que independentemente de geografia demonstram as raízes do ato cênico, ato ritual, extra cotidiano que une dança e teatro numa relação indivisível sem preponderância da palavra sobre o movimento, e vice-versa.
A Coreodramaturgia diz que no espaço se desenham movimentos que se relacionam entre si para explicitar o conflito contido no espaço de quem o cria e de quem vê atos humanos conhecidos ou não. A palavra é autonomada, criada a partir do encontro, ou reencontro e identificação da dança de expressão dramática na cultura brasileira e posterior comparação com a dança oriental religiosa ou laica.
Passa a ser publicamente utilizada a partir de Encontro Internacional “L’OMBRA DEI MAESTRI” - LA DANZA CONTEMPORANEA E IL RITORNO ALLE RADICI. ABRIL de 1995 - UNIVERSIDADE DE BOLONHA - ITÁLIA.
JOGO DRAMÁTICO - Jogo de representação de fatos e personagens. Origem do Teatro. Linguagem em permanente complexificação de signos ao longo da vida humana, faz parte do esquema de comunicação simbólica da vida cotidiana - fenômeno antropológico. A conceituação de Jogo Dramático e sua evolução, enquanto linguagem expressiva, foi descrita em Pega Teatro, 1a edição do Centro de Teatro e Educação Popular 1982, 2a edição, Papirus Editora, São Paulo, 1989.
JOGO - Utilizamos a definição dada por J. Huizinga em Homo Ludens, 1938:
“Jogo é uma ação, ou uma ocupação voluntária desenvolvida em certos limites definidos de tempo e de espaço segundo uma regra voluntariamente assumida que será respeitada de maneira absoluta; que há um fim em si mesma acompanhada de um sentido de tensão e de alegria e da consciência de divergir-se da vida comum, ou eu ser diferente da vida comum. (Homo Ludens, Torino Einaudi, 1973 p.p. 34 e 55 ).
JOGO ARCAICO - Jogo antigo, presente em culturas diversas e em diversos continentes sem aparente ligação. A estrutura do jogo se conserva pela tradição, alterando-se apenas por região e tempo histórico os detalhes das regras, permanecendo sua essência.
ELEMENTOS DA COREODRAMATURGIA
1- O JOGO DRAMÁTICO - jogo de expressão individual em nível de linguagem espontânea e em nível de linguagem elaborada artisticamente.
2 - O JOGO ARCAICO - jogo de regras - universal - apropriado para a compreensão dos códigos comuns entre os seres humanos, aqui também considerado como linguagem em si mesma que permite a desmontagem de seus signos para reelaboração artística.
3 - ESFORÇOS DE MOVIMENTO - Codificação de Rudolf Laban para composição e análise do movimento expressivo: relações de espaço, tempo e peso e fluência.
Codificações pré-dramatúrgicas ou elementos para criação expressiva do corpo cênico.
4 - DANÇAS DRAMÁTICAS DO BRASIL - Encenação do Samba Enredo; Congos e Maracatus. Contribuição obtida em Mário de Andrade, Danças Dramáticas do Brasil, coletadas e analisadas pelo músico-poeta.
5 - EXPRESSÕES GESTUAIS - GESTO RELACIONAL AMPLIADO - GERA - Exercícios físicos-linguísticos de treinamento do dançarino-ator dirigidos à percepção da natureza do gesto dramático; paralelamente indica como construir o corpo cênico partindo das sensações de movimento pré-dramatúrgicos transformando-os em dramatúrgicos.
6 - ANÁLISE FÍSICA DOS VERBOS-CHAVES - Compreensão física dos verbos que dinamizam o texto corporal de dramaturgia, ou treino do conteúdo dinâmico.
7 - COREODRAMATURGIA - objeto poético - Peças, leituras visuais de imagens brasileiras; fragmentos históricos, dramaturgia do Círculo de Giz Caucasiano de Bertolt Brecht, peça escolhida para desencadear a pesquisa sobre a relação popular entre movimento e palavra utilizando os elementos revelados durante os trabalhos de criação experimental.